terça-feira, 20 de janeiro de 2009

SINFONIA DA VIDA


[ Revista Nacional de Reabilitação>Anuário 2008/2009 – Caderno Técnico Científico, pág 04]


O Guga, agora do outro lado das lentes, na Reacess

Certa ocasião em que Ole Bull, o violinista de fama mundial, estava dando um concerto em Paris, a corda A de seu violino subitamente se partiu. Mas Ole Bull não se perturbou: terminou a melodia com apenas três cordas. Assim é a vida (...). Se a nossa corda A se partir, continuemos apenas com três cordas!

Isso não é apenas vida. É mais do que vida. É vida Triunfante!
Dale Carnegie


Caminhando pelas ruas da II Reacess - Feira Nacional de Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade, que aconteceu de 6 a 8 de novembro em Florianópolis, eu lembrava desta admirável passagem do livro Como Evitar Preocupações e Começar a Viver. De cadeirantes disputando acirradas partidas de basquete até artistas pintando quadros com os próprios pés, o evento foi uma verdadeira melodia de perseverança e coragem, uma maravilhosa aula de como manter vibrando a música da vida mesmo quando a nossa corda “A” arrebenta. Pessoas com os mais diversos desafios da alma irmanadas pelo comum de suas lutas e experiências circulavam, às vezes sozinhas, outras acompanhadas pelas famílias e amigos,– mas sempre com a mesma alegria compartilhada de ver que cada vez mais espaços sociais são conquistados, paradigmas quebrados e que, se ainda muito há para se conseguir, não é menos verdade que o que se atingiu merece ser celebrado. Estava tudo lá, no olhar duro das pessoas que se vêm, muitas vezes desde tenra infância, a brigar para poder desfrutar as coisas mais simples... Mas que, por isso mesmo, sabem sentir a poesia do vento no rosto como ninguém. Conversando com Carlos Roberto Perl, que tive o prazer de reencontrar na feira, fiquei sabendo de várias novidades interessantes. O presidente do Instituto Nacional de Inclusão Social está numa briga séria pelos direitos das pessoas surdas do Brasil, o que não é pouca coisa, já que estamos falando de mais de seis milhões de pessoas... Falando sobre o problemas da comunicação em Libras nas mais diversas situações – escola, trânsito, emergências, – ficou clara a necessidade crescente da difusão da língua de sinais e do símbolo internacional do surdo em nosso país. E de fato, com a expectativa de vida e a poluição sonora cada vez maior, em alguns anos a surdez se tornará um problema sério. Sem falar claro, do mp3 – pois, por conta desse singelo aparelhinho, que nossas crianças tiram do ouvido cada vez menos, elas estão ficando surdas cada vez mais. E, para quem ainda acha ser a limitação e os aparelhos auditivos uma realidade muito distante que se prepare: num futuro próximo, todos nós teremos um parente ou amigo com dificuldades auditivas. Nos países de primeiro mundo as autoridades já reconheceram a surdez como um problema de saúde pública. No Brasil é apenas questão de tempo.
Um outro assunto que acabou vindo à tona durante o evento, e que de uns tempos para cá também tenho lido em publicações especializadas, diz respeito ao mercado de trabalho para os PNEs. Empresários, gerentes de Rh de grandes empresas, jornalistas... Todos dizem a mesma coisa: que as pessoas com deficiência estão esperando sentadas, que exigem seus direitos mas esquecem dos deveres, que poucas delas são realmente qualificadas... É tudo verdade. De fato, não adianta nada existirem leis e empregadores com boa vontade se o candidato à vaga esqueceu de fazer a tarefa de casa... Com efeito, é preciso, antes de tudo, sermos realistas. Vivemos num mundo brutal e ultra-competitivo, as organizações não podem se dar ao luxo de empregar alguém por caridade. A pessoa lutando por seu lugar no mercado de trabalho, neste selvagem século XXI precisa, isso sim, se qualificar para si mesma – afinal de contas, o mundo não quer saber se ela tem alguma deficiência ou não... Quer é resultado! Talvez muitos tenham esquecido desse detalhe. Para estes, fica um recado importante: a inclusão social – entenda – se respeito, trabalho, dignidade – não virá como um presente. Ela é, antes de tudo, uma batalha ferrenha – uma penosa e gratificante conquista pessoal.
Mas, para aqueles que já sabem essa verdade, que já dominaram preconceitos e obstáculos do mundo exterior e interior, e que decidiram lutar e vencer pelo caminho mais difícil, o futuro promete. Os avanços da legislação e a organização cada vez maior do segmento só tendem a crescer, e o exemplo notável de pessoas que vencem suas deficiências físicas e mentais e se tornam inspiração para milhões de outras mostram que a caminhada da inclusão social ainda será longa, mas possível. Longa, mas necessária. E, para isso, é necessário que aqueles raros e preciosos músicos – aqueles que continuam tocando a sinfonia de vida mesmo quando a sua corda A arrebenta – permaneçam acreditando e levando os acordes da esperança para o mundo.

Gustavo de Amorim

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