terça-feira, 7 de julho de 2009

Entrevista: Letícia Baraky

A Dra Letícia na noite da premiação
(Imagem gentilmente cedida pela UFJF)

Em fevereiro deste ano, uma pesquisa realizada em Juiz de Fora ganhou o noticiário nacional por obter um dado alarmante: o nível de surdez dos habitantes da cidade mineira está acima da média mundial. Realizado pela USP e coordenado pela professora Dra Letícia Raquel Baraky, o estudo, intitulado “Prevalência da surdez incapacitante no Brasil”, acabou sendo agraciado, dada sua importância epidemiológica e ineditismo, com o primeiro lugar no 1º Prêmio Inovação Medical Services, patrocinado pela empresa Sanofi Aventis. Feliz com o reconhecimento da comunidade científica e os 10 mil reais de prêmio pelo estudo – que também é sua tese de doutorado – a Dra Letícia concedeu, por email, esta entrevista exclusiva aos leitores do blog DESAFIODAALMA. Confira:

1) Fale um pouco de sua formação profissional e de como decidiu trabalhar na área da audiologia (otorrinolaringologia).
R-A formação profissional médica é bem longa, pois estudamos a vida toda e nunca temos conhecimentos suficientes, mas comecei na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, depois fiz minha residência médica na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Rio de Janeiro, onde também fiz o meu mestrado. Na época do mestrado, minha tese também pesquisava alterações auditivas em pacientes com vitiligo. A audição é um sentido muito importante, pois coloca o ser humano em contato com o mundo. Uma pessoa que não ouve direito tende a ficar mais isolada e muitas vezes é tratada como deprimida. Claro que durante a nossa formação, [ver] professores habilidosos em cirurgias otológicas, com resultados maravilhosos, nos estimulava para este campo.Ver uma pessoa recuperar a audição, através de uma cirurgia ou com ajuda de aparelhos, é emocionante!

2) Na época da pesquisa, você comentou que o resultado de 5,8 % divulgado na imprensa tinha subido para 10,6%. A pesquisa já foi concluída? Se sim, qual o número obtido? Foi apontado algum fator principal para Juiz de Fora apresentar um índice tão alto?

R- Os dados já foram colhidos e passados para um programa de informática e no momento está em análise pelo estatístico.Em breve teremos a divulgação destes dados da prevalência da surdez, mais outros também como comorbidades que facilitam a instalação da surdez, fatores causais mais prováveis.

2) “Como comprar os suprimentos necessários, vendo o que falta na dispensa alheia.” Achei bastante interessante esta afirmação sua num dos e-mails que trocamos anteriormente. Fale mais sobre isso, bem como das implicações desta pesquisa como referência para futuras ações de saúde pública no Brasil.

R- O que acontece, Gustavo, é que todas as ações de saúde pública planejada na área auditiva, entre outras áreas, são planejadas baseadas em dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), que geralmente são frutos de trabalhos americanos ou europeus, o que não pode refletir a nossa realidade, visto que as condições sócio-econômicas, culturais, climáticas... são tão diferentes! Precisamos ter dados nossos, assim saberemos o que realmente precisamos. Este trabalho deverá ser repetido em outras regiões do país para no fim conseguirmos um banco de dados nacional. Com isto, as ações públicas na área auditiva terão embasamento real para seus programas, planejando ações e alocando verbas necessárias de acordo com a nossa realidade.

3) A pesquisa detectou algumas curiosas relações: foi estatisticamente significativa a relação da surdez com o zumbido, hipertensão, diabetes e problemas visuais. É possível que o estudo abra um leque ainda maior de pesquisas envolvendo doenças crônicas e surdez? Houve alguma repercussão neste sentido?

R- Este trabalho vai possibilitar a realização de muitos outros, investigando de forma mais apropriada as alterações encontradas, como a relação surdez com diabetes, problemas visuais, zumbidos e hipertensão.

4) O aumento da poluição sonora, da expectativa de vida e do uso de fones de ouvido – principalmente aparelhos mp3 – tem aumentado em muito os níveis de perda auditiva da população mundial, a ponto de alguns especialistas e mesmo autoridades de saúde já falarem numa verdadeira epidemia global de surdez. Pela minha própria experiência, sei que o processo de reabilitação é longo, e por vezes até traumatizante. Em sua prática clínica, como é a adaptação às próteses auditivas? Você acredita que os milhões de jovens que, num futuro próximo, precisarão substituir o mp3 pelos aparelhos auditivos estão preparados para tal troca? Em sua opinião, o que deve ser feito para diminuir o avanço da surdez no Brasil?

R- Não bastasse a poluição sonora provocada por carros, fábricas, aparelhos eletrodomésticos, secadores de cabelo, obras públicas, sirenes... os jovens arrumaram mais um inimigo da audição: o mp3, que habitualmente é colocado de forma contínua e bem alto. Com relação a isto devemos fazer esclarecimentos através de campanhas educativas, explicando o risco da perda auditiva e o prejuízo funcional para a pessoa. Com relação à epidemia global de surdez, os dados da OMS são alarmantes, visto que, segundo estudos feitos, cerca de 4,2% da população mundial – cerca de 250 milhões de pessoas – possuem algum grau de surdez incapacitante (2/3 nos países em desenvolvimento).
Quanto à adaptação dos aparelhos auditivos, depois da era do computador nós temos tecnologia que nos auxiliam e permitem ao paciente ser beneficiado, com uma adaptação mais rápida e adequada. Temos o que chamamos de “aparelhos inteligentes”, que permitem aumentar a voz humana e diminuir o barulho de fundo.


5) Para terminar, imagino que o seu trabalho é apenas a ponta de um imenso iceberg. Quais seus objetivos futuros na área científica?

R- No momento, terminar o meu doutorado, o que já dá um bom trabalho, e no futuro, quem sabe, se tiver oportunidade seguir carreira acadêmica, ensinando e continuando a fazer projetos e pesquisas.

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